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Os olhos que não enxergam: camadas de dor e opressão

Por Nicole

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Me chamo Nicole e venho partilhar minha experiência como familiar de uma pessoa que esteve sob responsabilidade do Estado por meio do Sistema Prisional do Rio de Janeiro.

Em 2013 para 2014, me vi precisando encarar a realidade de muitas pessoas ao ter que comparecer ao Complexo Penitenciário de Bangu. Realidade essa que não sonhava em viver.

A primeira dor era por somente estar naquele local, que se encontra com as dores de milhares de outros familiares que ali estavam. De local quente, se fazia nublado.


A segunda dor foi perceber a dificuldade enfrentada pela maioria, que é muito menos favorecida, como por exemplo ter que levar mantimentos, roupas, itens de higiene etc aos seus, sem ter recurso financeiro para tanto, mas ‘dando um jeito’. Afinal de contas, é e sempre foi dessa forma.


A terceira dor é quando finalmente você passa pela cancela e pega um ônibus para chegar ao presídio onde seu ente se encontra em cárcere. Essa hora a desigualdade não só fala, ela grita, pois, ao que parece, os presídios dentro do Complexo são divididos por, além de feminino e masculino, por pessoas que possuem ensino superior ou fazem parte ou fizeram da chamada “segurança pública”.


A sensação não foi das melhores, mas certamente não foi igual a da maioria, pois uma pessoa branca utiliza de seu privilégio aos demais oprimidos. Ou seja, havendo privilégio seja pela cor da sua pele, situação financeira, pisicológica etc, há também um oprimido.


Meu destino não era a unidade da maioria e já foi constrangedor ter que passar pela revista, não só sentando no banco de metal mas também nas comidas que eram destruídas pelo agente ao passar a faca, as roupas desarrumadas... Imagine para aqueles que são estereotipados por estarem visitando alguém que supostamente cometeu um delito, sem obter nenhum curso superior ou carreira na segurança pública no currículo. Familiares são vistos como culpados ou ao menos coniventes.


A percepção é clara; as condições dos presos no Sistema Penitenciário, segundo todos os relatos aos quais tive conhecimento em filas de espera, são desumanos. E por falar de humanidade, o princípio da dignadade da pessoa humana é previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que deveria “garantir direitos fundamentais” a todos os cidadãos. Mas, por ora, fica somente na letra da lei, constatando a lesão de seus direitos diariamente.


A percepção fica ainda mais apavorante ao pensar em como deve estar a estrutura das unidades prisionais do Rio de Janeiro em época de pandemia pela Covid-19 este ano de 2020. A higiene deve ser preservada, disseram os representantes da área de saúde. Pois então que digam ao representantes do Estado.
A precariedade é lastimável e a ressocialização cada vez mais distante. É preciso que não apenas olhem, mas enxerguem as pessoas que estão em situação de extrema vulnerabilidade sendo violados todos os dias neste país.
Como diz um poema chamado Papo de Cadeia de Samuel Lourenço Fillho, autor do livro Gangrena: o sistema prisional em poema:


“Pois é, agora é “cada um por si”
Não há diálogo entre as pessoas envolvidas
Poderíamos tentar nos redimir
Caso se pensasse na Justiça Restaurativa.

Das ações que fizemos
O Estado triplica o dano
Ignora as vítimas, os esquecendo
E os autores, seguem encarcerando.”