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Sobre lutas coletivas em meio a pandemia: um balanço da Plataforma Covid nas Prisões

Bruna Portella, Eliene Vieira, Isabel Pereira, Nina Barrouin e Priscila Oliveira - Equipe de Direitos e Sistema de Justiça do ISER.

· Publicações do site

As degradantes e inaceitáveis condições do sistema prisional brasileiro assumiram uma dimensão ainda mais dramática com a emergência da pandemia, esgarçando a já baixa capacidade do Estado de assegurar condições básicas de dignidade para as pessoas privadas de liberdade e seus familiares. Além do iminente perigo da entrada de uma doença contagiosa num ambiente de tamanha precariedade, a pandemia trouxe o desafio de lidar simultaneamente com a ausência e o excesso de informação.


Excesso, pois quem atua na prisão - e, mais importante, quem a vivencia diretamente - se viu perdido em meio a mudanças de procedimentos que afetavam a rotina do sistema e, consequentemente, as suas próprias vidas. Por outro lado, a ausência: ao mesmo tempo em que se processava a enxurrada de novas resoluções, recomendações e normativas, se instalava a preocupação quanto à falta de dados precisos sobre o que estava acontecendo dentro das unidades penais.


Esse paradoxo no fluxo de informações marcou os trabalhos deste site. Lançado em 8 de maio de 2020 pelo ISER, o Covidnasprisões buscou disponibilizar informações e fomentar articulações capazes de barrar retrocessos e impedir violações. Oito meses após o lançamento, a pandemia segue atingindo cruelmente os mais vulneráveis, de forma que a tarefa desta plataforma continua relevante. Para enfrentar o desafio de prosseguir, cabe olhar com afeto para o quanto já reunimos. No ano passado, produzimos sete vídeos e recebemos vinte e três textos. Também estabelecemos importantes parcerias com o Infovírus e Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC), que ganharam páginas na plataforma e foram essenciais para as atividades desenvolvidas. No final do ano, uma nova parceria foi feita com a Rede de Justiça Criminal, que possibilitará que o trabalho do Covidnasprisões chegue ainda mais longe. Precisamos frisar também a importância da Agenda Nacional e das Frentes Estaduais pelo Desencarceramento, nosso farol na luta abolicionista penal, articulação que muitos dos que contribuíram com textos e com vídeos para Plataforma integram.


Contar essa intensa jornada de forma integral é uma longa tarefa que ficará para outro momento; neste texto nos enfocaremos apenas nos artigos que publicamos no site. A reunião dessas valiosas contribuições de diversos protagonistas da luta antiprisional permite entrever o potencial agregador desta plataforma. Os artigos de familiares e sobreviventes do sistema demonstram como as redes de acolhimento e organização política daqueles que são diretamente atingidos pelo cárcere são instrumentos poderosíssimos. Não por acaso, a seção das publicações é inaugurada por Christiane Pinagé, mãe de pessoa privada de liberdade. Ela dispara, certeira: “A desumanidade já não se satisfaz em pôr pessoas em cubículos insalubres e fétidos, a promessa de montagem de um hospital de campanha foi deixada de lado, agora cogita-se colocá-las em contêineres onde a temperatura alcança facilmente os 50 graus. Entregues à própria sorte, aguardamos por um milagre divino…”


Os movimentos de mães e familiares de atingidos pela violência estatal, são atuantes e combativos, “dentro e fora do cárcere”, como denota o título do artigo de Eliene Vieira e Fátima Pinho. A violência que atinge a juventude negra e opera para o seu genocídio vem de direções variadas, mas é sobretudo no discurso e ação das mães que uma resistência se põe em curso, dando nome e sobrenome àqueles cuja existência se busca apagar. O texto de Eliene e Fátima relata como as Mães de Manguinhos se adaptaram às novas necessidades do povo na pandemia, coletando cestas básicas, kits de higiene e prosseguindo com os atendimentos. São múltiplas formas de enfrentar que “vivemos em um Estado Genocida e a falta de uma educação de qualidade faz com que sequer saibamos de fato que somos sujeitos de direitos, que nossas vidas importam sim.”


A escrita por parte de sobreviventes do cárcere - uma fala que permite “quebrar as correntes do silêncio que se impõem dentro desses espaços”, como afirma Fabiana da Silva – também compôs quatro publicações do site. Reinaldo Conceição não se esquece dos seus primeiros momentos no presídio: “deveria estar mais ou menos uns 38 graus, todo mundo espremido suando, na segunda cancela ficamos sabendo que tinha morrido um. Passaram mais duas cancelas, chegaram dois Seap com carrinho de carga passando com um corpo magrelo em cima. Fiquei desesperado. Cheguei na galeria de cabeça baixa, pois não tinha esquecido o tapa que levei na nuca para abaixar a cabeça e pôr as mãos para trás.”


Uma rotina de violência física e mental não se apaga de qualquer jeito. Hogo, autor do artigo “Se correr você toma um tiro, se ficar perde a liberdade”, conta: “às vezes acordo de madrugada com a sensação de que estou lá, o terror é tão nítido que consigo sentir o cheiro dos ratos e da comida que sempre estava estragada. Consigo ouvir os passos dos agentes vindo em minha direção. Já sabia que aquela madrugada seria de tortura e de terror. Lembro-me de algumas vezes que fui acordado com tapas na cara com a alegação que estava na hora da revista. Fechando os olhos, consigo sentir minha cara quente e o barulho do estalar do tapa.”


As entradas e saídas carregam suas marcas. Fabiana da Silva é pedagoga, idealizadora e coordenadora da Ong Apadrinhe um Sorriso e Assessora da Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e, “não menos importante”, ela acrescenta, irmã do apenado Lud. Relatando as idas e vindas de seu irmão, ela escreve, com muita sensibilidade, sobre as feridas físicas – “um ouvido estourado por conta de uma coronhada, lábios rachados e uma costela quebrada” – e psicológicas – “não tem mais visita da mãe, morta segundo alguns próximos de desgosto. Perder o caçula e presenciar a violência das agressões foi demais para ela”.


“Um preso nunca é só um preso”, Fabiana diz. “Ele carrega consigo uma rede familiar e essa rede carrega aqui fora as marcas dos passos dados por ele”. Consciente disso, João Luis Silva divide conosco a angústia do “sextou” para aqueles “que cumprem suas penitências impostas pelo sistema de justiça criminal no regime de Prisão Albergue Domiciliar (PAD) ou foi “beneficiado” pelo trabalho extra muros”. Ele conta: “Sexta dessas, estava ‘rolando’ no sofá de casa com meu filho de quatro anos, que invariável e tão precocemente, tem que lidar com os desajustes do pai, como por exemplo; as mudanças de humor, desânimo e um estado depressivo periodicamente. Pois bem, dessa vez as duras lembranças vieram, enquanto ainda brincávamos e de repente olhei pela janela e percebi que já era noite, e de sexta. Subitamente fui tomado por recordações dolorosas que fizeram disparar o gatilho da ansiedade e de uma angústia que beirava o desespero.” O “valiosíssimo benefício” não comporta espaço para o engarrafamento da Avenida Brasil, erro ou atraso.


A pandemia atinge não apenas mulheres e homens no cárcere, mas também meninos e meninas. Valéria Oliveira apresenta o corajoso histórico da Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco (AMAR). Ela conta que “a Amar participou de poucas Lives, não tenho muita intimidade, sou mais de estar com a ‘mão na massa’.” E foi assim que continuaram enfrentando o cenário de violações: com a mão na massa, “A Amar desenvolveu um trabalho de acolhimento familiar diferenciado nesse momento, onde demos um suporte e executamos de modo diferenciado o translado entre as famílias x adolescentes x unidades socioeducativas”.


Seja enquanto protagonistas individuais ou lideranças comunitárias, as mães e familiares compartilharam seus trajetos, sensações, angústias. Nicole descreve como experimentou as dores de ser familiar em visita ao Complexo Penitenciário de Bangu. Do céu nublado e quente ao trajeto do ônibus até o presídio, ela revela como percebeu as “camadas de dor e opressão” na sua experiência “como familiar de uma pessoa que esteve sob responsabilidade do Estado por meio do Sistema Prisional do Rio de Janeiro”.


Outra contribuição veio de Mônica, que, numa terça pela manhã, à espera na porta de Bangu, reflete sobre o que é ser mãe de uma jovem privada de liberdade há seis anos. Essa trajetória de apoio teve um corte brusco durante a pandemia, com a interrupção das visitas. Mônica relata: “antes de a pandemia começar, eu falei para ela que estava começando o anúncio da doença e ela ficou preocupada, perguntando o que iríamos fazer. Eu falei ‘estamos juntas nessa. Não tem pandemia que vá me separar de você’.” Na ausência de visitas de outros parentes, Leiza escreve no seu texto como começou a receber cartas de várias meninas: “os bilhetes vinham com muitos pedidos de ajuda, em um deles outra jovem pediu que eu procurasse e entrasse em contato com a mãe dela, pois não tinha notícias da mãe por cartas ou recados e estava muito preocupada”.


O artigo de Elaine Paixão, Raissa Maia e Monique Cruz evidencia como articulações de enfrentamento à barbárie promovida pelo Estado devem se valer de todas as possíveis estratégias e campos de disputa para lutar pela vida das pessoas que estão privadas de liberdade: “nos canais internacionais ou na porta dos presídios, a nossa luta contra o encarceramento em massa segue e é mais urgente do que nunca”. As autoras compartilham sobre a mobilização que culminou no apelo urgente enviado aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, denunciando a grave situação do sistema carcerário brasileiro.


Esse esforço de produzir um diálogo entre a concretude das demandas e os meios institucionais está presente também no texto de Denis Praça, defensor público titular do Núcleo do Sistema Penitenciário da DPE/RJ. Publicado em maio, nele Denis relatava que a Vara de Execuções Penais (VEP) do Estado do Rio de Janeiro, quando adotou medida de redução da população carcerária, o fez apenas quanto às pessoas em regime semiaberto. Após essa pretensa redução, a VEP “passou a indeferir a ampla maioria dos pedidos individuais de autorização para prosseguimento do cumprimento da pena em prisão domiciliar, mesmo quando formulados por pessoas que integram grupos de risco”.
Direto do Sul do país, o Grupo Poder, Controle e Dano Social da UFSC/UFSM compartilhou resultados de pesquisa que em muito corroboram com o que diz o defensor público carioca. Diz o grupo que “analisou 486 decisões criminais do mês de maio do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em pedidos de liberdade ou prisão domiciliar a pessoas privadas de liberdade” cujo fundamento era a pandemia de Covid-19. Relatam que “92% (448) dos pedidos de liberdade foram negados, e menos de 3% (13) foram concedidos. Os demais foram parcialmente concedidos (19) ou foram prejudicadas (6)”.


As decisões analisadas contêm frequentes argumentos repetidos, e terminam por não tangenciar os fundamentos dos pedidos, independente do preso ser provisório ou sentenciado, pertencente ou não a grupo de risco. O grupo identifica que “a narrativa mais frequentemente utilizada pelos desembargadores para denegar os pedidos é a visão sem fundamento científico de que as pessoas em situação de cárcere se encontram em isolamento social.” No caso das medidas socioeducativas, Patrícia Silva, integrante do Grupo de Pesquisa "Criminologia, violência e sustentabilidade social" e da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP), analisou as decisões dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal e de São Paulo e constatou que: as internações provisórias estão sendo prorrogadas reiteradamente e que a pandemia está sendo utilizada como fundamento para essa ilegal e temerária extensão do prazo de internação. Tribunais e juízos de primeiro grau demonstram, portanto, a dificuldade de desacoplar suas decisões de supostas orientações de segurança pública, valorando tão somente a gravidade abstrata do crime. Pedro Paulo Carriello, defensor público atuante nos tribunais superiores, destaca a necessidade do Poder Judiciário compreender a “essencialidade de solução coletiva ou de determinado grupo de risco”, conferindo, então, um tratamento macroprocessual adequado à gravidade que é enfrentar a pandemia no já precário sistema prisional brasileiro.


A desembargadora federal Simone Schreiber, no seu texto, contribui para repensar o lugar dos juízes nesse panorama. “O juiz”, ela afirma, “não pode perder de vista que está decidindo a vida de pessoas”. Por isso, quem não gosta de gente não serve pra ser juiz. Em seu artigo, publicado em junho, Simone se posiciona de forma veemente contra a realização de audiências de custódia por videoconferência. Uma vez que “estar em um ambiente de videoconferência não é o mesmo do que estar na sala de audiências, participando pessoalmente do ato, ao lado do defensor e na presença do juiz”, não é possível, mesmo que “em nome da praticidade, economicidade, ou comodidade dos órgãos de justiça, aumentar a distância abissal e o absoluto estranhamento que já existem entre os réus, de um lado, e os atores do sistema de justiça penal, de outro.”


O tema das audiências de custódia por videoconferência atravessou diversos artigos, demonstrando ser uma preocupação comum a vários atores políticos. Publicado em dezembro, o artigo “E quem não tem internet?: Reflexões sobre audiências de custódia e acesso à justiça durante a pandemia”, de autoria de Miriam Duarte, Raissa Belintani e Vivane Balbuglio, apresenta ponderações essenciais a esse debate público. Frente à mudança de orientação do CNJ – que, sob a presidência do ministro Luiz Fux, passou a “permitir a antes vedada realização das audiências de custódia por videoconferência” – as autoras cruzam as suas experiências e apontam as absurdas distorções que as audiências em videoconferência podem acarretar à prestação da justiça.


O texto traz alguns casos concretos que ampliam o debate: como aceitar a normalização de audiências virtuais de instrução e julgamento sem viabilizar o acesso desses sujeitos a bens ainda escassos como computadores e internet banda larga? Especificamente sobre audiência de custódia, Miriam, Raissa e Viviane identificam que mesmo com a apresentação presencial dos presos, o combate à tortura e maus tratos já é limitado. Esse objetivo torna-se ainda mais esvaziado numa estrutura de videoconferência: teriam os custodiados coragem de denunciar? Teriam os juízes atenção para averiguar expressões e marcas físicas através de uma tela?


É preciso lembrar que se a tortura é um ponto fulcral no debate sobre audiência de custódia – virtual ou presencial -, isso ocorre por conta da violência consolidada nas práticas policiais, que selecionam garotos negros nas periferias para inseri-los na máquina do encarceramento. Erivelto Melchiades, bacharel em Direito, diretor da rede Reforma, coordenador da Marcha das favelas, sobrevivente do sistema penal e morador do morro do Cantagalo, analisa a ADPF 635 e reforça: “operações policiais totalmente em desconformidade com o que diz o ordenamento jurídico, que põe na mira do gatilho quem nada tem a ver com esta falsa guerra às drogas imposta pelo Estado, sob o pretexto de fazer cessar a violência” são mais um elemento de uma política estatal de morte.


Mas os maus-tratos não estão limitados à porta de entrada do sistema; pelo contrário: ela é uma marca de sua permanência. 28 anos depois do massacre do Carandiru, Deise Benedito lembra de todos os passos que a levaram, na tarde do dia 02 de outubro de 1992, da Vara de Execuções do TJ/SP para uma Casa de Detenção cheirando a sangue. Ela conta que na porta se aglomerava uma multidão: “alguns familiares passaram a noite toda, e nos informaram que saíram vários caminhões frigoríficos, com presos mortos, ninguém dava informação. A maioria mulheres, com crianças no colo, grávidas, senhoras de idade, esposas, tias, irmãs, mulheres chorando, desesperadas gritando, pedindo informações, e a polícia montada da cavalaria da PM jogava os cavalos em cima das mulheres”.


Deise se pergunta: hoje, 28 anos depois, onde estarão as crianças nos colos dessas mães? Que rastros esse caminho de tortura deixou, em quantas vidas? “A tortura segue sendo um recurso político de controle e dominação dos corpos”, sintetiza Ionara Fernandes, membro do MEPCT/RJ. “A política estatal de segurança pública, o sistema de justiça criminal e os sistemas prisional e socioeducativo são instrumentos de um grande aparelho massivo e contemporâneo de tortura. Naturaliza a violação dos direitos fundamentais e impõe as maiores dores e sofrimentos aos corpos aprisionados. O poder e a permanência de políticas criminais seletivas e racistas garantem a continuidade e eficácia da tortura hoje.” Durante a pandemia, a atuação do MEPCT/RJ ganha relevo ainda mais significativo. Os mecanismos de monitoramento não podem arrefecer durante o período – inclusive porque o contexto possibilita novas práticas de violações.


No sistema prisional, embora informal, a circulação de visitas é, também, um mecanismo de difusão de informações sobre as unidades. No início da pandemia, a suspensão das visitas provocou extrema ansiedade em pessoas privadas de liberdade e familiares, uma vez que que tal restrição pode terminar acarretando absoluta incomunicabilidade. Além disso, há prejuízos quanto ao “vínculo familiar e afetivo” e o efeito colateral de “não poder contar com os alimentos e itens básicos de higiene pessoal que eram levados através das visitas e que o Estado segue negligenciando com o seu dever de fornecê-los”, como expõem Amanda Rodrigues, Emilyn dos Santos, Heloísa Freitas e Raissa Maia no artigo “Impedir as visitas nas prisões agrava as violações de direitos durante a pandemia”.


Dandara Oliveira, abordando a situação nos presídios do Pará, destaca a precariedade de uma política de “’vai-e-vem’ das permissões das visitas” e, ainda, a submissão de familiares “a situações vexatórias durante todo o processo”. Tudo isso culmina num panorama em que “famílias inteiras são criminalizadas e aterrorizadas pelo sistema de segurança que não as trata dignamente ou mesmo se empenha em assegurar seus direitos básicos, que são a todos os momentos violados e relativizados”. Monica Cunha, fundadora e coordenadora do Movimento Moleque, trouxe um importante panorama do socioeducativo. Ecoando as denúncias de que foi destinatária, ela chamou atenção à necessidade do acesso à comunicação com familiares durante a pandemia, que não pode depender do bel prazer dos agentes.


2020 nos ensinou que legislativo, executivo e judiciário tendem a considerar a pandemia como uma ameaça à vida apenas quando lhes convém. Apenas certas vidas são consideradas enquanto dignas de proteção e respeito - enquanto vidas humanas - e as demais são tratadas apenas como números, quando registradas. Recuperar as análises que nossos parceiros e parceiras compartilharam através do Covid Nas Prisões nos últimos meses nos permite tecer um diagnóstico complexo sobre a realidade dos espaços de privação de liberdade durante a pandemia, bem como observar as resistências frente ao genocídio e as muitas lutas travadas ao longo do ano de 2020. Nos provoca, também, a refletir sobre o que está por vir.

 

São muitos os desafios que se apresentam no horizonte. O aumento de casos de Covid-19 no país, combinado à ausência ou desmantelamento dos poucos esforços empreendidos no sentido de implementar políticas de prevenção e combate à enfermidade, delineiam um cenário alarmante para os próximos meses. Isso tudo embalado pelos discursos negacionistas propagados pelo Governo Federal, que dão o tom do descaso do Estado em relação às vidas ceifadas pela pandemia - principalmente as vidas daqueles e daquelas que se encontram em privação de liberdade.

 

A disputa acerca da inclusão de pessoas presas na lista prioritária da vacinação, os impactos da virtualização da justiça criminal e da infracional, os retrocessos nas políticas de combate à tortura - materializados nas audiências de custódia por videoconferência, autorizadas no apagar das luzes de 2020 - são alguns dos elementos da realidade que se apresenta. Não podemos esquecer dos perigos da militarização de diversas categorias que trabalham espaços de privação de liberdade, como a propagação da “polícia penal”, bem como os riscos da inconstitucional conversão dos agentes socioeducativos em agentes de segurança ocorrer em mais estados.

 

Resta nítido que a luta segue mais urgente que nunca, tendo como farol os movimentos de familiares de pessoas privadas de liberdade e sobreviventes do cárcere, que formulam cotidianamente estratégias, gramáticas e ferramentas de enfrentamento, a partir da concretude da realidade, para a construção de um mundo sem prisões. Apenas saídas coletivas são capazes de responder com a assertividade e a capilaridade necessárias para contrapor todos os desafios que estão postos - e aqueles que infelizmente estão por vir, e que sequer somos capazes de prever. Nesse sentido, saudamos todas as articulações de familiares, sobreviventes, entidades da sociedade civil, atores do sistema de justiça, pesquisadores e ativistas abolicionistas penais. Esperamos que o CovidNasPrisões siga sendo uma ferramenta construída à várias mãos e que possa contribuir com ações que visem diminuir os graves riscos enfrentados por pessoas privadas de liberdade durante a pandemia.

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1. Feliz dia das Mães? Christiane Pinagé (09 de maio)
2. Em época de pandemia, o que somos? Pedro Paulo Carriello (22 de maio)
3. A Angústia é que deveria ser transmissível. Denis Praça (28 de maio)
4. Quem não gosta de gente não serve para ser juiz. Simone Schreiber (22 de junho)
5. Tortura? Sobre existência, continuidade, prevenção e combate à tortura. Ionara Fernandes (26 de junho)]
6. A Atual Política de Drogas e Encarceramento em Tempos de Pandemia nas Favelas do Rio de Janeiro. Erivelto Melchiades (6 de julho)
7. Covid e a convivência familiar no socioeducativo. Monica Cunha (21 de julho).
8. Grito contra o genocídio nas prisões na ONU e OEA. Elaine Bispo Paixão, Raissa Maia e Monique Cruz. (24 de julho).
9. A Luta das mães contra o genocídio da juventude negra dentro e fora do cárcere. Eliene Vieira e Fátima Pinho. (30 de julho)
10. Pandemia do Covid-19 e seus reflexos no sistema penitenciário do estado do Pará: familiares sem visitas, servidoras (es) e detentas(os) infectadas(os) e dificuldades para soltura. Dandara Rudssan (5 de agosto)
11. Casos diferentes, respostas padronizadas: 92% dos pedidos de liberdade fundamentados na COVID-19 são negados pelo TJRS em maio. Grupo Poder, Controle e Dano Social da UFSC/UFSM (12 de agosto)
12. Pesquisa mostra que Tribunais de Justiça têm prorrogado prazo de Internação Provisória de Adolescentes durante a pandemia. Patricia Silva (26 de agosto).
13. 28 anos. O Carandiru nosso de cada dia! Deise Benedito (1º de outubro)
14. 2020 e Covid-19: a luta pelos direitos dos adolescentes travada pela Associação das Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco (AMAR). Valéria Oliveira (13 de outubro).
15. Impedir as visitas nas prisões agrava as violações de direitos durante a pandemia. Amanda Caroline Rodrigues, Emilyn Natirrê dos Santos, Heloísa Freitas e Raissa Maia (22 de outubro)
16. Um "sextou" diferente. João Luis Silva (29 de outubro)
17. Se correr você toma um tiro, se ficar perde a liberdade. Hogo (10 de novembro)
18. Os olhos que não enxergam: camadas de dor e opressão. Nicole (26 de novembro)
19. Por elas. Mônica (3 de dezembro)
20. Caminho sem volta. Reinaldo Teixeira da Conceição (8 de dezembro)
21. “E quem não tem internet?”: Reflexões sobre audiências de custódia e acesso à justiça durante a pandemia. Miriam Duarte, Raissa Belintani e Viviane Balbuglio (10 de dezembro)
22. Para começo de conversa: sobre os esquecidos e invisibilizados do sistema carcerário. Fabiana da Silva (15 de dezembro)
23. Pandemia e sistema prisional, pelo olhar das mães. Leiza Toledo dos Santos (18 de dezembro)