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Um "sextou" diferente

Por João Luis Silva

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Para quem não conhece essa expressão, é utilizada atualmente para demonstrar alegria e entusiasmo, legítimos, com o que é para muitos o último dia de labuta e consequentemente aproveitar um pouco mais da noite para se divertir.

Porém, isso não se estende àqueles que cumprem suas penitências impostas pelo sistema de justiça criminal, no regime de Prisão Albergue Domiciliar (PAD) ou foi “beneficiado” pelo trabalho extra muros, além de alcançar os que foram afetados e trazem em si os traumas, dramas e lembranças que causam dores terríveis produzidos, por uma cultura de punitivismo que perpassa séculos neste país.


Sexta dessas, estava “rolando” no sofá de casa com meu filho de quatro anos, que invariável e tão precocemente, tem que lidar com os desajustes do pai, como por exemplo; as mudanças de humor, desânimo e um estado depressivo periodicamente. Pois bem, dessa vez as duras lembranças vieram, enquanto ainda brincávamos e de repente olhei pela janela e percebi que já era noite, e de sexta. Subitamente fui tomado por recordações dolorosas que fizeram disparar o gatilho da ansiedade e de uma angústia que beirava o desespero.

Definitivamente para quem cumpre os regimes supracitados, as sextas não são dias bons. E, antes que me questionem, quero deixar evidenciado que não há dias bons quando se trata de privação de liberdade, seja o dia ou o regime que for, é foda!

Voltando à sexta, a dinâmica era sempre muita tensa. Começando às seis da manhã, com o objetivo principal de aproveitar ao máximo o dia, pois sabia que logo, especificamente até as vinte e duas horas, aquela “semi liberdade ou semi prisão” chegaria ao fim, voltando ao convívio social somente na segunda pela manhã novamente. Talvez o judiciário entenda que nós, os presos podemos cometer alguns delitos de segunda a sexta, porém não nos fins de semana.

As formas de violência vão além das penas desproporcionais impostas pelo judiciário, alheio a todo esse ambiente degradante. O albergue domiciliar descrito pelo conjunto de leis da execução penal, em nada se assemelha com esses espaços cercados de grades, administrados por agentes estúpidos, que, equivocadamente, consideram que quanto pior as condições para o cumprimento maiores as chances de “ressocialização”; alimentação precária com comidas muitas vezes intragáveis são também um meio, senão a mais grave forma de violência e desrespeito a dignidade da pessoa humana.

O trajeto até a unidade também fazia parte do conjunto de dificuldades. Uma vez que passar pela Av. Brasil, umas das vias mais complexas do Rio de Janeiro, é sempre um desafio. Não foram poucas as vezes que me desesperei ao me deparar com engarrafamentos ou alagamentos na via, tendo que lançar de vários artifícios para não chegar atrasado e correr o risco de perder o “valiosíssimo benefício”. Táxi, moto e até correr algo em torno de sete quilômetros foram algumas das proezas que tive que fazer para me manter como um apenado de comportamento excelente, cumpridor regular da sua pena e que fazia jus a novas progressões de regime. Muitos sequer tinham condições financeiras para o seus deslocamentos até suas casas, enquanto outros não iam por conta da distância e outros tantos, em virtude dos longos anos cumprindo pena tiveram seus laços familiares rompidos, fazendo-os acreditar que a partir de suas saídas das prisões estariam sozinhos.

Até aquilo que é extremamente nocivo para toda sociedade, como é o caso da pandemia de covid-19, que assola a comunidade mundial. Para quem cumpre pena nos regimes aberto e semiaberto, significa a chance de voltar ao seio familiar, restaurar as rupturas afetivas causadas pela prisão, a chance de ver o mundo além dos muros da cadeia e principalmente o "privilégio" de prevenir-se em casa e consequentemente não adoecer encarcerado, o que aumentaria consideravelmente as chances de óbito de quem cumpre pena. Entretanto, a vida de quem tá preso é foda. Passados alguns meses, dessa pseudo liberdade graças a covid, o sistema de justiça criminal, resolveu que era hora dos presos voltarem às masmorras.

Era uma SEXTA, 11 de setembro, e mesmo sem que as instalações prisionais passassem por uma readequação no período pandêmico a fim de receber aqueles e aquelas que estavam sendo cuidados em suas casas. O resultado disso foi uma confusão de ordens judiciais, entre o juiz da vara de execução e uma desembargadora do tribunal de justiça do Rio de Janeiro, enquanto um mandava prender a outra mandava soltar. Mas como é "natural" nesses casos, a corda arrebenta sempre do lado mais fraco, alguns presos cumpriram a tal ordem e entraram e outros, também cumprindo a regra não entraram. Àqueles que entraram, passaram mais de dez dias presos em celas que não tinham água encanada, insalubre e com comida racionada, seus familiares fizeram verdadeiras vigílias nas portas dos presídios na esperança que logo seus entes queridos estariam de volta às suas casas. Enquanto aguardavam, dormiram nas ruas sobre papelões, se alimentaram através das doações entregues por organizações sociais e ficaram expostas às condições climáticas sempre desfavoráveis.

Todo esse martírio só teve fim, após uma nova decisão, repito, doze dias depois, que obrigava a vara de execuções e a secretária de administração penitenciária a cumprir a decisão de segunda instância revogando os efeitos da decisão expedida pelo juízo de execução.


E vale ressaltar, que tal oportunidade foi dada a pouquíssimos apenados, a esmagadora maioria, mesmo em um período de pandemia com alto risco de contágio, continuam passando pelas violações de sempre.

É assim que os penitentes cumprem suas penas, fazendo das “tripas coração” para não prolongar ainda mais um tempo que já é gigante.

É assim também que vamos seguindo para os nossos enjaulamentos de fim semana.