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A luta das mães contra o genocídio da juventude negra dentro e fora do cárcere

Eliene Vieira e Fátima Pinho

· Publicações do site

Por Eliene Vieira e Fátima Pinho*

A luta das mães contra o genocídio dentro e fora do carcere da juventude negraAs prisões no Rio de Janeiro não passam de masmorras, onde jogam os nossos filhos sem condições humanas nenhuma.

Com a pandemia, a situação tornou-se ainda pior, não só por causa do Covid-19, mas também pela condição das celas e pátios dos presídios e pela forma que nossos governantes e o judiciário vem agravando mais ainda o problema.
Negam pedidos de Habeas Corpus para internos que estão no grupo de risco com total desrespeito à condição humana. Usam covardemente o discurso de que é “em prol da sociedade”, sociedade essa que não nos representa.
Isso acontece porque vivemos em um Estado Racista e Excludente que continua prendendo. Muitas dessas prisões poderiam ser evitadas, já que caberia responder o processo em liberdade, por se tratar de pequenos delitos, sem grave ameaça, ou até mesmo por serem prisões ilegais e arbitrárias.


E é lógico que quem esta sendo preso é preto, favelado, periférico...
Fátima Pinho, moradora da favela de Maguinhos e cofundadora do Movimento das Mães de Manguinhos, tem o seu filho privado no sistema prisional de Bangu e relata total desrespeito da SEAP com a falta de informações sobre o estado de saúde de seu filho. Um jovem de 21 anos que entrou saudável no sistema e hoje está com tuberculose. Fátima busca nas redes apoio para a situação do seu filho por causa de sua condição frágil de saúde: “Queria saber como ele está, pois estamos passando por uma pandemia, meu filho é grupo de risco e a SEAP não me passa nada, não durmo e não como direito há dias, pois sei que meu filho não está bem, é uma situação que nos coloca doente. Se por acaso tivesse alguma informação, faria uma diferença enorme, mas nenhum canal de informação existe, com as visitas suspensas, fico sem saber o que fazer.”


O relato da Fátima retrata a forma como as famílias são tratadas diante de um sistema que só serve para nos encarcerar e até mesmo nos matar, de forma covarde e sem escrúpulos algum, nos negam educação, saúde e informação. Vivemos em um Estado Genocida e a falta de uma educação de qualidade faz com que sequer saibamos de fato que somos sujeitos de direitos, que nossas vidas importam sim. Nos tratam como se fóssemos corpos matáveis e nos impõe uma condição de terror e ameaças sobre a mira de caveirões aéreos e terrestres e com um poder bélico que só é encontrado em guerras como na Síria. Da forma que somos tratados somos levados a achar que não somos sujeitos de direitos, nos reprime de lutar pelos nossos que ali estão, esse tratamento que nos dão, um tratamento totalmente desumano e nos colocam nessa condição de sub-humanos, corpos matáveis, descartáveis.
Sabemos através das redes sociais e noticiários que muitos funcionários estão com o vírus e, com isso, os detentos já contraíram o vírus e que há também muitos óbitos, mas a SEAP insiste em negar informações e até mesmo em subnotificar os casos.


Nós como mães e familiares temos direito a informações, e isso o Estado não fornece de forma alguma. Nossos filhos, pais, irmãos, primos, etc., estão sob a tutela do Estado e é de responsabilidade do mesmo suprir as necessidades de saúde, mas como sabemos que isso não acontece, nossa situação enquanto familiar é de terror.
O Movimento das Mães de Maguinhos tem como um objetivo a luta pelos direitos da favela, direita à vida, direito por memória, justiça, verdade e direito à liberdade, direitos esses que são violados o tempo todo com o discurso de guerra às drogas. Já passou da hora de se entender que nas favelas não existem fábricas de armas nem fábricas de drogas, já passou da hora de se entender que os grandes cartéis não estão nas favelas e periferias e que tudo isso é um projeto genocida de quem deveria zelar pelo povo e pelo direito: o Estado.


É por esse e outros motivos que nós não nos calamos e seguimos na luta. Com a pandemia vimos a necessidade de adequar a nossa luta às condições da quarentena. Assim que foi instalada, os moradores das favelas e periferias que tem sua renda básica vinda de trabalhos informais (camelôs, ambulantes e lavadores de carros), tiveram seu trabalho interrompido. E como alimentar uma família que trabalha o dia pra conquistar a janta e o almoço do outro se esta sendo impedido de sair? Pensando nisso e no intuito de minimizar os impactos da quarentena, além de tudo que fazemos, estamos também atuando como articuladoras de rede em prol das famílias que por conta da pandemia ficaram sem poder sair pra trabalhar e com isso falta o básico da vida que é a alimentação.


Através de nossos apoiadores, fazemos coletas de cestas básicas e kit higiene, repassando para as famílias com perfil chefiadas por mulheres com filhos e idosos. Nas entregas fazemos orientação sobre uso de máscaras e álcool gel, orientamos pessoas egressas sobre sua condição em relação à justiça, através do apoio do ISER e em parceria com Frente Estadual Pelo Desencarceramento.


Preocupa-nos todas essas violações que atravessam nosso dia a dia nas favelas e periferias, os casos de Covid-19 aumentam a cada dia, e a subnotificação faz com que esses corpos matáveis sejam tombados.
E mais uma vez, a sociedade civil nas figuras do ISER, Frente Estadual Pelo Desencarceramento, as Mães de Maguinhos, entre outros, vem fazendo um papel que é do Estado, me pergunto, até quando? Até quando vamos continuar sendo encarcerados e tombados? Até quando vamos sobreviver a todo esse sistema racista e excludente?
Até quando?

*Eliene Vieira é vitima e mãe de vitima de terrorismo de Estado, integrante do Movimento das Mães de Manguinhos, do Fórum Social de Manguinhos, da Frente estadual pelo Desencarceramento, da Agenda Nacional Pelo Desencarceramento e auxiliar de Pesquisa no ISER.

*Fátima Pinho é vitima e mãe de vitima de terrorismo do estado e Co fundadora do movimento das Mães de Manguinhos.